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19 de Abril de 2024
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    Artigo: José Barcelos de Souza

    há 16 anos

    Modificações no Código de Processo Penal : Inquirição Direta de Testemunhas pelas Partes. Identidade Física Do Juiz

    1. Até que enfim legem habemus, ou por outra, lei até que já tínhamos, mas sem uma interpretação pacifica, ou, mais provavelmente, com sua própria existência desconhecida por alguns juízes. Tanto que um deles, posto inteligente, culto e já experiente na presidência de júri, tempos atrás virou-se para mim com ar de ofendido e, sem deferir ou indeferir meu pedido de inquirir a testemunha diretamente em plenário de um júri, ou sem perguntar os fundamentos do requerimento, me indagou se “não confiava no juiz”. Assim era, duvidoso para muitos, o direito de as partes, no Tribunal do Júri, examinar diretamente as testemunhas.

    A respeito do assunto, não é farta a manifestação jurisprudencial. Além de alguns julgados para os quais a falta da inquirição direta não configurava nulidade, porque não cominada, um outro, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, embora admitindo a possibilidade de perguntas diretas, entendeu também não caracterizar cerceamento de defesa o sistema oposto (RT, v. 446, p.463).Um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, dera com a nulidade. Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, repelindo alegação de nulidade, entendeu que as testemunhas devem ser inquiridas é mesmo por intermédio do juiz (ac. de 15-6-61, da 3ª Câm. Crim., Jurisp. Mineira, v. 32, p. 685).

    Entretanto, já estava claro esse direito na redação original, de 1941, do art. 467 do Código de Processo Penal , de acordo com o qual “terminado o relatório, o juiz, o acusador, o assistente e o advogado do réu e, por fim, os jurados que o quiserem inquirirão sucessivamente as testemunhas da acusação”, em que fiz o destaque, confirmado pelo subseqüente, art. 468 , que igualmente vai com meu destaque: “Ouvidas as testemunhas de acusação, o juiz, o advogado do réu, o acusador particular, o promotor, o assistente e os jurados que o quiserem, inquirirão sucessivamente as testemunhas de defesa.”

    Os destaques foram para salientar que se tratava de uma lex specialis, que se opunha à lex generalis do art. 212, igualmente na antiga e original redação, visto que nesse dispositivo o Código havia adotado o sistema de inquirição chamado presidencial, “isto é, ao juiz que preside à formação da culpa cabe privativamente fazer perguntas diretas à testemunha. As perguntas das partes serão feitas por intermédio do juiz, a cuja censura ficarão sujeitas” (Exposição de Motivos Ministerial, n. X).

    Assim, de acordo com as citadas disposições especiais para a produção da prova testemunhal em plenário, não só o juiz, mas também as partes, poderiam inquirir, ao passo que, nos casos em que era de se aplicar a regra geral, somente o juiz inquiria, podendo as partes requerer perguntas.

    Bons autores esclareceram o entendimento correto.

    Era expresso sobre o assunto Leão Starling: “A inquirição é confiada às próprias partes, diferentemente do que se dá no sumário” (Teoria e Prática Penal, 2ª ed., 1950, p. 168). Magalhães Noronha igualmente apontava a diferença, dizendo que no júri as partes inquirem diretamente as testemunhas (Curso de Direito Processual Penal, 2ª ed., p. 363). Também Espínola Filho, em mais de uma passagem, demonstrava-se de entendimento semelhante, dizendo, numa delas, que o jurado poderá fazer perguntas diretamente à testemunha (Código de Processo Penal Anotado, 3ª ed., v. 4, pp. 433 e segs.).

    Outros comentadores do vigente estatuto processual penal não emitiram opinião em contrário, conquanto nada dissessem a respeito da aludida diferença entre as inquirições da instrução criminal e do plenário. De seus comentários, todavia, se infere que entendiam poder as partes questionar diretamente as testemunhas.

    É pena que alguns juízes, quer pelo hábito ao sistema da instrução criminal, quer pelo desconhecimento de uma orientação doutrinária em outro sentido, aliado à observação da prática mais freqüente em julgamentos pelo júri, quer pelo receio da maior dificuldade em controlar possíveis abusos, quer por ver na inquirição direta uma capitis diminutio à função do presidente, admitiam perguntas apenas por seu intermédio. Certo receio de que advogados se portariam abusiva e inconvenientemente na maneira de inquirir, ou de o precedente carrear dificuldades futuras nos trabalhos do júri, também poderiam concorrer para o entendimento predominante entre os juízes.

    Vi isso muitas vezes, pois vinha de há muito tentando, em julgamentos em que atuei, não seguir a praxe geralmente aceita, tendo até em modesta obra, Teoria e Prática da Ação Penal, edição Saraiva, 1979, dedicado um estudo sobre a matéria.

    Por isso mesmo, certamente terão um sabor de novidade as disposições das novas leis processuais sobre a matéria, tanto mais quanto uma das leis muda na instrução criminal o sistema presidencial para o de inquirição direta.Boa novidade no que diz respeito à inquirição no Tribunal do Júri. Mas nem tanto no que se refere à instrução criminal. Teria sido bem melhor, neste particular, deixar como estava.

    Vejamos inicialmente como ficou disciplinada a matéria na Lei nº 11.689 , de 9 de junho de 2008, (a entrar em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação), que alterou dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri.Cumpre, porém, registrar que projeto anterior ao que se converteu na lei citada já dispunha expressamente no sentido da inquirição direta, no que foi seguido pela nova lei, exceto quanto à inquirição pelos jurados, a qual a lei em questão dispõe que se fará por intermédio do juiz, e não também diretamente, como fazia aquele. Trata-se do projeto de lei n. 4.900 , de 1995, que resultou de anteprojeto elaborado por comissão nomeada pelo Ministro da Justiça, da qual tivemos a honra de fazer parte.

    Segundo dispõe o novo art. 473, o juiz-presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado inquirirão, sucessiva e diretamente, as testemunhas arroladas pela acusação; já para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos no artigo; e os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente (de maneira semelhante se tomam as declarações do ofendido, se possível, na ordem indicada para a testemunha de acusação).

    Teria sido melhor que o juiz não inquirisse inicialmente, mas apenas se reservasse para, a exemplo do que a Lei n. 11.690 , também do mesmo dia 9 de junho de 2008 — lei que altera dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova —, dispõe no parágrafo único do art. 212 , usar da faculdade de complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos.

    Lá, na instrução criminal, é que deveria o juiz perguntar, e isto logo de início, visto que a ele caberá proferir a sentença e em geral já tem a orientá-lo depoimentos das testemunhas no inquérito policial.

    Em plenário do júri é que não deveria inquirir — e caso contrário por certo só o faria raramente, como na prática ainda acontece na atualidade — senão para algum esclarecimento complementar. Mesmo porque, já existirá nos autos a decisão de pronúncia, pelo que com certeza não mais teria, senão excepcionalmente, motivo para perguntar.É por essa particularidade que nosso sistema de inquirição no júri difere do cross-examination norte-americano, com o qual tem em comum, todavia, um exame direto, mais a participação da parte contrária, o que muito o assemelha ao referido sistema do “exame cruzado”, ao qual, entretanto, não corresponde exatamente, uma vez que, neste, a inquirição das testemunhas é tarefa exclusiva das partes, não a fazendo também os jurados nem o juiz, que se limita a presidir ao ato. O advogado da parte que apresenta a testemunha faz, em primeiro lugar, o chamado “exame direto”, facultando-se à parte contrária, a seguir, sua inquirição, então chamada cross-examination.

    Nosso sistema, entretanto, atende melhor ao principio da verdade real, ao permitir que não só o presidente, mas também os jurados, perguntem à testemunha, mas ficaria bem melhor se o presidente ficasse para inquirir ao fim, se entendesse conveniente alguma complementação, agindo, assim, com moderação.

    A inquirição das testemunhas pelas próprias partes é, aliás, da tradição de nosso direito, no que diz respeito ao júri.Antigamente, era ato das partes, incluído o próprio réu (Pimenta Bueno, Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro, 2ª ed., 1857, n. 241, p. 148; Galdino Siqueira, Curso de Processo Criminal, 2ª ed., 1917, n. 288, p. 216; João Mendes de Almeida Júnior, O Processo Criminal Brasileiro, 3ª ed., 1920, v. 2, pp. 415-6), tendo a regra legal recebido encômios do Marquês de São Vicente, o provecto Pimenta Bueno. Ao juiz era lícito fazer perguntas, mas João Mendes aconselhava certo comedimento.

    Tendo o juiz passado a também inquirir, embora sem exclusividade, com o advento do Decreto-lei n. 167 , de 5 de janeiro de 1938, que federalizou o processo do júri, critério esse seguido pelo Código vigente, o encargo de inquirir, atribuído ao presidente, incidiu na critica de Magarinos Torres (Processo Penal do Júri, 1939, n. 117, p. 432), que presidiu por muitos anos o Tribunal do Júri do Distrito Federal. É que das minúcias só conhecem bem as próprias partes; sabem elas melhor para que fim foram produzidas as testemunhas, podendo ir diretamente aos pontos de interesse para a causa, pelo que as perguntas do juiz seriam desnecessárias.

    De qualquer modo, o que muito importa é que, tendo uma das partes inquirido a testemunha, e tendo a outra o direito de contra-inquirí-la, uma e outra diretamente, podemos repetir o que Francis L. Wellman, no livro The Art of Cross-Examination (Nova Iorque, 1937, 4ª ed., p. 7, disse a respeito do cross-examination: ainda não se achou substituto para ele “as a means of separating truth from falsehood, and of reducing exaggerated statements to their true dimensions” (“como meio de separar a verdade da falsidade, e de reduzir afirmações exageradas a seu verdadeiro tamanho”).

    Com efeito, certas limitações que se encontravam e foram, posto mais adequadas ao sistema presidencial de inquirição, mantidas no art. 212, como a inadmissibilidade de perguntas que não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida, não podem ser levadas para a inquirição em plenário do júri. Não constam da disciplina da inquirição no Tribunal do Júri, e a repetição de perguntas é uma técnica de inquirição para a obtenção da verdade que os próprios juízes por vezes usam quando inquirem. Igualmente, perguntas que aparentemente possam parecer estranhas ao processo, podem ser apenas pouco objetivas, mas são por vezes usadas no início do exame direto sem outro objetivo que o de deixar mais relaxada ou descontraída uma testemunha nervosa ou ansiosa. Assim, indagações cordiais sobre onde mora a testemunha, alguma opção de lazer, essas coisas. O presidente não pode impedir isso.

    É muito importante, aliás, que o juiz seja um bom condutor de audiências e sessões. Sereno, seguro, sem empáfia e autoritarismo, com a capacidade de bem perceber o alcance das perguntas formuladas. Foi a excelente impressão que me deixou o culto e bom juiz Lafayete Dutra Atheniense, na vez primeira em que pude fazer uma inquirição direta (eis aí uma primeira vez de que também não me esqueço), além da lição, numa época em que não se falava muito em contraditório, ao proclamar que antes de decidir gostaria de ouvir os doutos advogados da defesa.

    Uma vantagem da inquirição direta pelas partes é a de não serem as respostas dadas ao juiz presidente, como se interessassem só a ele. Em alguns lugares a testemunha senta-se de frente para o juiz, enquanto os jurados se acham mais distantes, atrás ou ao lado. Certa feita coloquei-me junto aos jurados, e comecei a perguntar em voz baixa. A testemunha foi se virando até ficar de costas para a mesa do juiz e de frente para os jurados, que prestaram muita atenção nas perguntas e respostas.Bem andou o legislador em deixar bem claro que a inquirição será direta, pois nos julgamentos da competência do júri a prova da autoria, das causas de exclusão da ilicitude e de muitas circunstâncias que podem influir na decisão dos chamados juizes de consciência, entre as quais a vida pregressa, os hábitos e o caráter do réu, é, quase sempre, exclusivamente testemunhal, devendo, assim, ser mais amplamente investigada, e mais eficientemente pesquisados os exageros e propositais equívocos de certas testemunhas. O sistema presidencial, para esse efeito, não satisfaz. A retransmissão de perguntas pelo juiz as torna menos objetivas, menos seguras, e, por vezes, fica desfigurado seu sentido.

    Vai aqui uma útil advertência. Não se sinta o advogado senhor da situação para maltratar a testemunha. Afinal, está numa sessão de julgamento criminal e não em uma comissão parlamentar de inquérito. E pode ser surpreendido com uma resposta que o deixe desconfortável. O citado Wellman deu alguns exemplos. Mas vou ficar com a orientação de nosso velho e estimado processualista Eliézer Rosa, que por muitos anos exerceu a judicatura no Rio de Janeiro.

    Após criticar o advogado que espicaça a testemunha, que a irrita, que discute com ela, que a provoca enquanto pergunta, diz o seguinte:

    “Vi causas ruírem pela impertinência do advogado, vi causas, aparentemente perdidas, irem-se erguendo, construindo, embelezando, ganhando formas empolgantes, a cada pergunta feita e a cada resposta dada. A prova é o campo de eleição do advogado. Um grande advogado é um grande artista da prova, é na prova que se prova o advogado” (Dicionário de Processo Penal, Editora Rio, 1975, verbete “Ampla defesa”). Ia me esquecendo de dizer que, como dispõe agora o art. 475 , “o registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova”. “A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos”, determina o parágrafo único.Espera-se que, diante da lei expressa, que certamente será divulgada para conhecimento geral, não ocorra mais cerceamento dos direitos do acusador e do defensor. De outro modo, poderá configurar-se nulidade, nos termos do inc. IV do art. 564.

    A esse respeito, assim escrevemos em uma de nossas primeiras razões de apelação, aliás não provida, datadas de 17 de janeiro de 1958 (in Minas Forense, n. 21, p. 8-11):

    “Verdade que, na sistemática do Código, não é decretável nulidade sem prejuízo para a acusação ou para a defesa. Exigir-se, porém, no caso, uma prova real de prejuízo, seria exigir-se uma diabolica probatio. Se a testemunha não foi perguntada pela acusação, por arbitrária proibição pelo digno presidente do tribunal, se a parte não se conformou com a resolução do magistrado, não tendo querido, por lhe parecer prejudicial a seus interesses, simplesmente requerer perguntas, que, se deferidas, seriam retransmitidas ao depoente pelo juiz, é de presumir-se o prejuízo da acusação. Se o júri, juiz de consciência, não tem que fundamentar suas decisões, seria afirmação diabólica dizer que o depoimento então prestado não tivera influência na decisão”.

    2. Cumpre assinalar que também já de há muito, sob o regime do Código de Processo Criminal, havia regra diferente para o sumário, pois, aí, o juiz inquiria.

    Ocorre que, como já foi dito, a recente Lei nº 11.690 , também de 9 junho de 2008, relativa à prova, rompeu com o chamado sistema presidencial, adotando, também para a instrução criminal, a inquirição direta pelas partes. É o que agora dispõe o novo art. 212 do Código.

    Retornamos, assim, ao que se praticava antes também no processo civil, ao tempo da legislação anterior ao Código de 1939, quando os advogados inquiriam.

    Mas aconteceu que o sistema anarquizou-se. Havia a presença de um juiz inerte “a quem os advogados tentavam negar, por vezes, qualquer intervenção moralizadora”, como informou Pontes de Miranda (Comentários, v. 2, p. 242); ou, como lembrou Costa Carvalho (O Espírito do Código de Processo Civil , p. 187), fazia-se a inquirição, de regra e contra a lei, sem a presença do juiz, pelos advogados das partes que tivessem oferecido as testemunhas.

    Naquelas circunstâncias, uma reforma se impunha, e o Código de Processo Civil trouxe a inovação de transferir para o juiz a inquirição das testemunhas, o que também veio a fazer o legislador processual penal, sem se afastar, quanto ao júri, de normas consagradas pela tradição de nosso direito processual. Todavia, como observou em substancioso estudo, o juiz Martinho Garcês Neto (Revista Forense, 114/322), proibiu demais, com o que se revoltaram os advogados, pois se devia permitir-lhes uma reinquirição direta. E declarou permitir aos advogados fazer a reinquirição direta e o ditado das respostas. Tivesse agora assim disposto o legislador, ficando nesse meio termo, teria sido melhor.

    Com essa nova redação do art. 212, o juiz simplesmente poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos, cabendo-lhe ainda não admitir as perguntas que não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já feita, como já fazia antes, recusando perguntas semelhantes, acrescendo a lei agora que o juiz não admitirá aquelas perguntas que puderem induzir a resposta.Ora, ficava muito mais fácil seu trabalho recusando aquelas perguntas e, por isso mesmo, não as formulando quando requeridas, do que tendo de ficar fiscalizando para cortar perguntas daquela natureza. Os atritos ficarão favorecidos. Estando o juiz presidindo à sessão, impediria os abusos porventura manifestados, tais como perguntas visando à manifestação das apreciações pessoais da testemunha, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato, perguntas ambíguas, ou flagrantemente insinuadoras da resposta desejada, ou do exercício de certa coação sobre a testemunha, para arrancar uma determinada resposta.

    Melhor seria continuar o juiz inquirindo, como sempre fez, à vista dos termos da denúncia ou queixa, do que constar do inquérito policial, se houver, e agora, também da resposta do réu, e deixar para as partes a complementação. Aí, até, vá lá, reinquirindo diretamente.

    Isso lhe seria muito útil para a sentença, tanto mais agora que a recentíssima lei n. 11.719 , de 20 de junho de 2008 prestigia o princípio da identidade física do juiz.

    É claro que diante de tudo isso, não deverá, nem as partes deverão aceitar, a delegação da presidência da instrução para escrevente, assessor e muito menos o estagiário. Foi principalmente o receio de prosperar uma balbúrdia pior que o tumulto a que se referiram os autores acima citados, na época em que as partes inquiriam diretamente no processo civil, que nos levou a posicionarmos contrariamente à inquirição direta na fase da instrução criminal.

    3. Por falar em princípio da identidade física, que o Código de Processo Penal não esposava, a recente lei n. 11.719 , de 20-08-2008, acaba de adotá-lo, com as alterações que introduziu no mesmo Código.

    E lá está no art. 399, § 2º, em nova redação: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.”Mas, e se isso não for possível?

    É desnecessário dizer que, enquanto não entrar em vigor a nova lei, não se inclui entre os princípios informativos do processo penal o da identidade física do juiz. Além da falta de texto expresso a impô-lo, a regra oposta, da não identidade, decorreria, durante o prazo de vacância da nova lei, do parágrafo único do art. 502 , verbis: “O juiz poderá determinar que se proceda, novamente, a interrogatório do réu ou a inquirição de testemunha e do ofendido, se não houver presidido a esses atos na instrução criminal”, dispositivo que a lei citada expressamente revogou, mas cuja diretriz ainda poderá ser de utilidade, mesmo depois de entrar em vigor a mencionada lei, que não esclareceu o que fazer na impossibilidade de seu cumprimento, impossibilidade que poderá regularmente ocorrer, como adiante se dirá. Nada impede que o juiz faça isso, se entender útil para um julgamento correto.

    Dificilmente ocorrerá a oportunidade de aplicar aquela diretriz da renovação dos debates, já que haverá, com a nova legislação, mais segurança na fidelidade e conservação da prova. Entretanto, em lugar em que não se dispuser de meios para conservação dos debates orais, e não houver memoriais ou resumo consignado no termo de audiência, nada impede que novo juiz que vier a sentenciar determine a renovação dos debates e das alegações finais.

    Quanto à falada impossibilidade, não rara, de o juiz que tiver presidido a instrução proferir a sentença — casos de aposentadoria, remoção ou promoção, enquanto se aguardava a apresentação de memoriais —, a solução será proferi-la outro juiz, sucessor ou substituto.

    Como explicou Orlando de Souza (Manual das Audiências, 12ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 1987, pp. 91, 136-138), quanto à hipótese de aposentadoria “não se duvida de que o juiz aposentado não mais exerce a função jurisdicional e, por isso mesmo, não poderá proferir a sentença”. Já quanto aos casos de remoção e promoção, referiu-se o citado autor, na área cível, a divergências que ocorreram e a “alguns julgados apegados ao princípio da identidade física, com que rompeu o Código, que argumentam com a facilidade de poder o juiz, já em outra comarca, mandar a sentença pelo correio”. E explicava: Também não pode proferir a sentença o juiz “removido ou promovido, depois da assunção do exercício em outra vara ou comarca. A sentença seria nula (Cód. Proc. Penal, art. 564, I)”. Por motivo de incompetência, observou.

    *Diretor do Departamento de Direito Processual Penal do Instituto dos Advogados de Minas Gerais

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