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23 de Abril de 2024
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    Artigo: A hipocrisia das férias forenses

    há 15 anos

    *Luís Cláudio da Silva Chaves

    Deus criou o Universo em seis dias e no sétimo descansou. Demonstração inequívoca da importância do recesso, como fonte de renovação das energias e da disposição, como momento de reflexão. A pausa em uma atividade, longe de cultuar o ócio, permite desempenho de outras aptidões, de tempo para família, amigos e para autoavaliações. Por essas e outras razões o trabalhador, ao longo das últimas décadas, consolidou direito a férias e a repousos semanais remunerados.

    Estamos em janeiro, mês em que várias pessoas gozam suas merecidas férias. As férias remuneradas são garantia constitucional no Brasil. O referido direito é um dos direitos sociais previstos no art. da Constituição da República. O trabalhador brasileiro não só tem o direito ao gozo das férias, mas ao pagamento acrescido de 1/3. Sabemos que o referido direito é, também, indispensável para assegurar saúde física e psíquica ao trabalhador. Estudos revelam a importância de um descanso superior a quinze dias para mitigar o efeito do cansaço mental. Definitivamente a alta temporada não é o melhor momento para viagens e lazer, eis que os lugares ficam cheios e os preços ficam bem mais altos. Contudo, a natureza de algumas funções obriga a grande maioria do povo brasileiro ao descanso durante o mês de janeiro. Certo é que, com crise ou sem crise, as cidades turísticas ficam repletas de visitantes e cada um se vira do seu modo. O importante é curtir as férias.

    Os advogados, assim como professores e estudantes, habituaram-se a gozar suas férias em janeiro. Os últimos, óbvio ululante, porque desfrutam do descanso no período da pausa escolar. Os primeiros porque no passado o recesso forense alcançava todo o mês de janeiro e era uma praxe a não designação de audiências e a suspensão dos prazos processuais. Entretanto, a Emenda Constitucional nº 45 tornou a prestação jurisdicional ininterrupta e, com isso, acabaram as férias forense. Todavia, os serventuários e os juízes, merecidamente, diga-se de passagem, fazem jus aos seus períodos de férias. E os advogados? Agora, sem férias, contentam-se com um pequeno recesso entre o natal e o início do ano novo. Algo extremamente injusto para uma profissão tão penosa e estafante. Calcula-se que dos mais de 100 mil advogados inscritos na OAB-MG, 65 mil estão efetivamente na ativa. A grande maioria, cerca de 50 mil, atua em pequenos escritórios que precisam de um período de descanso pela impossibilidade de revezamento de seus integrantes.

    O melhor seria que tivéssemos mantido as férias coletivas no Poder Judiciário durante o mês de janeiro, com plantões para as tramitações de feitos urgentes. Assim, preservaríamos as férias dos serventuários, dos Juízes, dos promotores, dos defensores públicos, sem penalizar os advogados. Quanto a questão da prestação jurisdicional ininterrupta, sabemos que foi um tiro no pé dado pela própria OAB Federal. A entidade fez coro de que o término das férias em janeiro iria contribuir para celeridade processual, o que, data venia, mostrou-se uma balela. A realidade, nos dias de hoje, demonstra que os julgamentos em câmaras em tribunais encontram-se prejudicados, bem com o trabalho em algumas comarcas pelo Brasil afora. Isso porque os juízes, por exemplo, gozam seus 60 dias de férias em outros períodos que não o recesso. Assim, o Poder Judiciário fica desfalcado do magistrado por mais de 70 dias no ano. Basta examinar nos Tribunais a situação no julgamento de embargos infringentes. Quase sempre um julgador encontra-se no gozo legal de suas férias. A questão não é criticar as merecidas férias dos juízes. A questão é reconhecer a importância das férias coletivas. A reforma neste sentido não deu certo a partir do momento em que a prestação jurisdicional ficou comprometida durante o ano para impedir a recesso em janeiro. Vendeu-se a falsa ilusão de que a reforma iria contribuir com a celeridade. Na verdade, prejudicou-se o advogado e desorganizou o sistema de férias dos tribunais. A saída é o CNJ, a própria OAB e o Congresso Nacional reconhecerem o erro e ressurgirem com as férias forenses coletiva em janeiro.

    O quadro tornou-se grave depois da entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 45, que vedou férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau (CF, art. 93,XII). A atividade jurisdicional ininterrupta atinge particularmente os advogados que trabalham em pequenos escritórios ou individualmente, incapazes de abandonar suas atividades em função da continuidade dos prazos nos juízos e tribunais. Entendemos que a agilidade na prestação jurisdicional, conquanto tenha importância inquestionável, não foi resolvida e, também, não pode ser levada ao extremo de eliminar o gozo de férias pelos advogados que militam no foro.

    Encontra-se tramitando no Congresso Nacional proposta para regulamentação do recesso forense.

    A lentidão da tramitação do texto normativo tem desanimado os advogados, eis que passam os anos e a questão não é resolvida. Entretanto, a matéria só será mesmo resolvida com Emenda Constitucional, eis que a EC 45 proibiu férias coletivas. As propostas que tramitam hoje são de recessos forenses, de 20 de dezembro a 06 de janeiro, o que não convence a advocacia, mesmo porque no restante do ano os problemas vão continuar.

    *Presidente em exercício da OAB/MG

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-a-hipocrisia-das-ferias-forenses/2023697

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